Mídia e Consumismo na contemporaneidade

Interessante texto de Laís Fontenelle, abordando a profunda relação entre consumismo e mídia. Leia com atenção.




Mídia e consumo: que infância estamos construindo?
Lais Fontenelle Pereira - Publicado originalmente na Folha de S. Paulo
22.10.2007


"NÃO ESQUEÇA a minha Caloi". "Compre Batom". "Danoninho vale mais do que um bifinho"... Não é de hoje que os apelos publicitários interferem na formação de nossos filhos. No Dia das Crianças nos sentimos compelidos a refletir. Que infância estamos construindo? As crianças sumiram das ruas, das praças e dos colos e se refugiaram nos shoppings ou nas telas.
"Filho, você comeu direito?". "Não esquece o casaco!". "Só mais uma história". "Já sei andar de bicicleta sem rodinhas!". Onde estão essas palavras? Está cada vez mais difícil escutarmos o riso das crianças, assim como suas verdadeiras necessidades. Vivemos imersos em imagens e sons que nos atravessam sem nos pedir permissão. A palavra foi substituída pela imagem. A coleção, pela aquisição. A atenção, pelo presente. O medo do lobo mau, pelo medo da realidade. O abraço, pelo objeto.
O desejo, pela necessidade, e a criança, pelo consumidor -antes mesmo de se tornar cidadã. O ter prevalece sobre o ser. Esse é o tempo do consumo e da descartabilidade.
No Brasil, 12 de outubro convencionou-se como o Dia das Crianças, mas a que preço? O que de fato celebramos nessa data: a criança ou o consumo? Parece-nos que esse hábito é vivido pela maioria das famílias como um simples dever ao consumo.
O 12 de outubro foi proposto pelo deputado federal Galdino do Valle Filho em 1920 e oficializado como Dia das Crianças pelo presidente Arthur Bernardes em 1924. Porém, o dia passou a ser comemorado só em 1960, depois que a fábrica de brinquedos Estrela e a Johnson & Johnson criaram a Semana do Bebê Robusto. Um convite ao consumismo precoce. Se fôssemos comemorar realmente a criança, por que não fazer em 20 de novembro, data da aprovação da Declaração dos Direitos das Crianças?
No mês das crianças, a publicidade surge com força total. Quando vemos que o valor gasto no Brasil em publicidade dirigida ao público infantil foi de aproximadamente R$ 210 milhões (Ibope) e que o valor do investimento no Programa Federal de Desenvolvimento da Educação Infantil (FNDE) foi de aproximadamente R$ 28 milhões, ficamos pasmos.
A publicidade participa da formação de nossas crianças tanto quanto a escola. O que é mais importante, esses objetos que prometem a felicidade ou a educação?
As crianças são desde cedo incitadas a participar da lógica de mercado. A forma como são olhadas e investidas pelos outros passa pela cultura do consumo. As expectativas em torno do nascimento, a escolha do nome e dos objetos e a reorganização da casa circunscrevem o lugar social no qual se constituirão a identidade e os valores do bebê.
As imagens publicitárias dirigem-se às crianças, o que é extremamente abusivo, pois até os 12 anos não têm capacidade crítica de entender o caráter persuasivo das mensagens. Até os quatro anos as crianças não conseguem diferenciar publicidade de programas. Conforme pesquisa norte-americana, bastam apenas 30 segundos para uma marca influenciá-las. Se pensarmos que a criança brasileira passa em média cinco horas por dia em frente à TV (Ibope, 2005), quanta influência da mídia ela sofre?
Esse problema se soma ao afastamento das brincadeiras. Quem precisa de dez sapatos, três bolsas ou saber usar batom? Os pais foram desautorizados do poder, ou melhor, do seu saber, e a mídia se ocupou do papel de transmitir os caminhos da infância. Porém, o mercado -mídia ou anunciantes- assumiu isso pensando no lucro imediato, e não nas crianças ou no futuro da nação.
A infância não pode ser aprisionada pela falsa felicidade que a sociedade de consumo nos vende. Criança precisa de olhar, de palavras e de escuta. Precisa ter infância para ser criança. E os pais sabem o que é melhor para os filhos.

Nesse Dia das Crianças, troquemos o shopping pelo parque. Façamos brinquedos, em vez de comprá-los prontos. Troquemos as guloseimas pelo bolo feito no calor da cozinha.

Paremos para refletir. Olhemos para a infância que nos circunda e rememoremos nossa experiência infantil. Assim, talvez possamos subverter a ordem estabelecida do consumismo desenfreado e encontrar uma forma mais sincera de homenagearmos nossas crianças.

* Lais Fontenelle Pereira, mestre em psicologia clínica pela PUC-RJ, é psicóloga do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana.

Comentários

  1. "A palavra foi substituída pela imagem. A coleção, pela aquisição. A atenção, pelo presente. O medo do lobo mau, pelo medo da realidade. O abraço, pelo objeto."

    Muito sério isso. Não se tem mais crianças felizes e carinhosas como antes, hoje o abraço é a retribuição de um presente, ou uma forma de consegui-lo.
    Não culpo somente a mídia, mas também nos pais, pois esses também incitam ao consumo quando compram um video-game para não deixar as crianças brincar nas ruas.

    O mundo do consumo atinge a todos, e isso é cada vez mais preocupante, precisamos re-pensar alguns valores e conceitos para que não sejamos fantoches dos endinheirados.

    À propósito, texto muito bom e adequadíssimo para o público escolar.

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  2. Acho que este poema de Drummond tb expressa um "pouco" (não sei se seria certo disser um "muito") do que escreveu.
    Como disse que contribuições seriam bem vindas. Aí está a minha.

    Eu etiqueta (carlos drummond de andrade)

    Em minha calça está grudado um nome
    Que não é meu de batismo ou de cartório
    Um nome... estranho.
    Meu blusão traz lembrete de bebida
    Que jamais pus na boca, nessa vida,
    Em minha camiseta, a marca de cigarro
    Que não fumo, até hoje não fumei.

    Minhas meias falam de produtos
    Que nunca experimentei
    Mas são comunicados a meus pés.
    Meu tênis é proclama colorido
    De alguma coisa não provada
    Por este provador de longa idade.
    Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
    Minha gravata e cinto e escova e pente,
    Meu copo, minha xícara,
    Minha toalha de banho e sabonete,
    Meu isso, meu aquilo.
    Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
    São mensagens,
    Letras falantes,
    Gritos visuais,
    Ordens de uso, abuso, reincidências.
    Costume, hábito, permência,
    Indispensabilidade,
    E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
    Escravo da matéria anunciada.
    Estou, estou na moda.
    É duro andar na moda, ainda que a moda
    Seja negar minha identidade,
    Trocá-la por mil, açambarcando
    Todas as marcas registradas,
    Todos os logotipos do mercado.
    Com que inocência demito-me de ser
    Eu que antes era e me sabia
    Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
    Ser pensante sentinte e solitário
    Com outros seres diversos e conscientes
    De sua humana, invencível condição.
    Agora sou anúncio
    Ora vulgar ora bizarro.
    Em língua nacional ou em qualquer língua
    (Qualquer principalmente.)
    E nisto me comparo, tiro glória
    De minha anulação.
    Não sou - vê lá - anúncio contratado.
    Eu é que mimosamente pago
    Para anunciar, para vender
    Em bares festas praias pérgulas piscinas,
    E bem à vista exibo esta etiqueta
    Global no corpo que desiste
    De ser veste e sandália de uma essência
    Tão viva, independente,
    Que moda ou suborno algum a compromete.
    Onde terei jogado fora
    Meu gosto e capacidade de escolher,
    Minhas idiossincrasias tão pessoais,
    Tão minhas que no rosto se espelhavam
    E cada gesto, cada olhar
    Cada vinco da roupa
    Sou gravado de forma universal,
    Saio da estamparia, não de casa,
    Da vitrine me tiram, recolocam,
    Objeto pulsante mas objeto
    Que se oferece como signo dos outros
    Objetos estáticos, tarifados.
    Por me ostentar assim, tão orgulhoso
    De ser não eu, mas artigo industrial,
    Peço que meu nome retifiquem.
    Já não me convém o título de homem.
    Meu nome novo é Coisa.
    Eu sou a Coisa, coisamente.

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  3. sou aluno de geografia da faculdade de formação de professores da uerj. Sendo este assunto tema de meu trabalho de sociologia.
    pude perceber a seriedade deste site em nos formar a realidade que passa com as crianças.
    A perversidade das empresas empenhadas e equipadas com "verdadeiro exército publicitário" trabalhando da melhor forma de explorar as mentes das crianças e conseguindo manipular o que seria bom para tais.Sendo na verdade o roubo de momentos cruciais que formariam a sua personalidade.

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  4. Simplesmente muito bom!
    Origado por publicar esse texto, pois esse tema ainda precisa muito ser discutido, a cada dia que passa a criança evolui cada vez mais e esquece de ter infância, mas não é só a criança que a mídia consegue manipular e sim alguns adultos e adolescentes!

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