Sobre a nossa condição...
"Não se pode dizer que o homem tem instintos como os dos animais, pois a consciência que tem de si próprio o orienta, por exemplo, para o controle da sexualidade e da agressividade, submetidas de início a normas e sanções da coletividade e posteriormente assumidas pelo próprio indivíduo. O homem foi "expulso do paraíso" a partir do momento em que deixou de se instalar na natureza da mesma forma que os animais ou as coisas.
Assim, o comportamento humano passa a ser avaliado pela ética, pela estética, pela religião ou pelo mito. Isso significa que os atos referentes à vida humana são avaliados como bons ou maus, belos ou não, pecaminosos ou abençoados por Deus, e assim por diante.
Essa análise é válida para qualquer outra ação humana: andar, dormir, alimentar-se não são atividades puramente naturais, pois estão marcadas pelas soluções dadas pela cultura e, posteriormente, pela crítica que o homem faz à cultura.
A condição humana é de ambigüidade porque o ser do homem não pode ser reduzido a uma compreensão simples, como aquela que temos dos animais, sempre acomodados ao mundo natural e, portanto, idênticos a si mesmos. O homem é o que a tradição cultural quer que ele seja e também a constante tentativa de ruptura da tradição. Assim, a sociedade humana surge porque o homem é um ser capaz de criar interdições, isto é, proibições, normas que definem o que pode e o que não pode ser feito. No entanto, o homem é também um ser capaz de transgressão. Transgredir é desobedecer. Não nos referimos apenas à desobediência comum, mas àquela que rejeita as fórmulas antigas e ultrapassadas para instalar novas normas, mais adequadas às necessidades humanas diante dos problemas colocados pelo existir. A capacidade inventiva do homem tende a desalojá-lo do "já feito", em busca daquilo que "ainda não é". Portanto, o homem é um ser da ambigüidade em constante busca de si mesmo. "
Maria Lúcia de Arruda Aranha
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