Abdul Salam Iphone Zaeef

Abdul Salam Zaeef. Para aqueles que não o conhecem, Zaeef era o embaixador talibã no Paquistão. Aliás, o linha-de-frente das comunicações exteriores do regime talibã. Um título digno de nota, por estar envolvido em atrocidades (típicas de regimes fundamentalistas encontrados naquela região). Mas o post de hoje não pretende dissertar acerca de Zaeef, nem julgá-lo pelos atos.

O interessante reside na foto acima: Zaeef e seu simpático Iphone. Bem, vamos por partes. O talibã é um regime islamita extremista - que governou o Afeganistão durante 5 anos. Inúmeras restrições, mortes e atitudes desmedidas assolaram a região durante essa época - com atos condenados por diversos países, tanto ocidentais quanto orientais.

O Iphone, por sua vez, é um utilitário criado na Califórnia, no coração capitalista mundial. É marcado, sobretudo, pela integração de tecnologias - tais como internet, tocador de audio e câmera.

O que mais nos chama a atenção é, num país marcado pelo tradicionalismo e rigidez extrema, como um produto transcende todas as barreiras e torna parte daquela cultura? Não afirmo que a foto se insira em todos os cidadãos (e, de fato, não é o caso), mas o fato de um deles já o possuir é sintomático. Como algo, produzido no coração norte-americano, pode ir além de qualquer disputa ideológica? Bem-vindos à globalização.

É marcada a integração das partes, independentes (e cada dia isso se evidencia) de discursos, ideologias. Não viso, percebam, criticar o grau de utilidade do objeto - isso faremos posteriormente, quando falarmos de consumismo e "ter é ser". Faço referência à pergunta que Derrida (grande filósofo do século XX) nos deixava no livro "Filosofia em tempos de terror": a globalização invade. Até que ponto uma cultura, em qualquer lugar do mundo, resiste ao choque de valores, advindos - sobretudo - de um choque cultural?

É justamente, lembrem-se, em situações de subversão da cultura que nascem grupos extremistas, em nome de uma higienização e culto da antiga cultura, do povo, da tradição. Alguém consegue sentir o cheiro nazista?
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Sugestão: Assistam "Arquitetura da Destruição". Documentário muito bacana, sobre a situação nazista de "higienização", motivada esteticamente.

Comentários

  1. Mas não são praticaente todas as culturas que sofreram interferencia com algo "de fora"? Quer dizer, acho que não sobrou nada "virgem" em questão de cultura.

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  2. Ótima pergunta, Beatriz!

    Com efeito, há um intercâmbio latente entre culturas - o que impede de pensarmos, hoje, numa cultura essencialmente virgem.
    O problema, a meu ver, acontece quando há interferência entre ideologias conflitantes... pois vejamos: ser um fundamentalista islâmico é aceitar um "corpus" de doutrinas, assim como pertencer a qualquer outro "regime".

    Creio que o ponto abordado por Derrida seja o intercâmbio sem fronteiras de culturas - o que ocasiona a obstrução e desrespeito de determinados "corpus".

    É como pensar numa esfera indígena sendo invadida pelos portugueses, em 1500 - é impossível pensarmos que os indígenas permaneceriam sem influência, mas é possível pensarmos numa influência "somativa", não restritiva e avassaladora. O exemplo mostra-se bom até algum ponto - de fato, os portugueses invadiram fisicamente.

    A questão da notícia que coloquei diz respeito a uma invasão simbólica, ocasionando uma mudança de hábito - violenta, também, embora não física - e sim moral.

    Só para fazermos uma ponte - e darei outro exemplo - o nazismo, em suas bases, surgiu não como violência física, mas foi gradativamente tornando-se tal. Ok, muitas discussões possíveis!

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  3. Mas a partir do momento que algo é mudado em uma cultura, tem que haver uma mudança de valores, certo? E como isso pode acontecer sem depredar os valores antigos? Mesmo que sejam morais, se é que assim não é pior, como você disse sobre o nazismo. Mudar a cabeça das pessoas é muito grave.
    Enfim, a influência somativa ainda precisa ocasionar mudanças, isso por si já é uma "invasão" desrespeitosa.

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  4. Ótimo posicionamento.
    Se tratarmos qualquer tipo de influência como "invasão" sempre teremos um certo "desrespeito" no ato, embora nem sempre visa-se um mal numa cadeia de consequências (depredar antigos valores, aliás, se faz necessário para possíveis harmonias). Quando mencionei a questão somativa fiz referência à qualquer introdução de valores não visando o aprisionamento ideológico - como podemos esperar, por exemplo, de grupos que entram em contato com povos indígenas afim de ajudar de alguma forma.

    Lembro-me de um grupo de antropólogos, há certo tempo atrás, que deslocou até uma tribo afim de distribuir preservativos: com efeito, um índio havia se contaminado com o Hiv e estava passando para outros. Os índios recusaram a ajuda dos antropólogos, alegando que aquela mortança era um castigo divino e não o vírus (comprovado) Hiv.

    É num caso como este que não trato como invasão desrespeitosa - trato como "somativa". Assim também temos o questionamento: toda tecnologia importada conduz ao caos e merece repulsa? Não, creio ser a resposta. Num primeiro momento podemos até tratar a invasão como "desrespeitosa", mas o bem pode ser visado.

    Aliás, tal é um questionamento filosófico por excelência: é justificável o mal afim de fazer um bem..? E isso ganha uma extensão inabordável aqui! =]

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  5. Realmente, você me provou que nem sempre a influencia é negativa, e também que essa pergunat ainda vai tirar muito sono (:

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